sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Ode ao defeito


Vivemos uma época em que a perfeição parece muito fácil. Temos, à disposição, infinitas ferramentas, técnicas, informações, tutoriais e tantas outras soluções para a busca desenfreada por produções rápidas e aceitáveis que caracteriza a nossa sociedade. De cartazes a pessoas, muito do que vemos todos os dias foi projetado e moldado para se enquadrar a um padrão que não tolera a diferença. No campo artístico isso parece ainda mais evidente. Cantores usam softwares que acertam as notas, fotógrafos corrigem problemas de luz e enquadramento com ferramentas de tratamento de imagens e qualquer tremida na hora do desenho pode ser resolvida depois na vetorização. Parece que a habilidade e a destreza não são mais características tão necessárias.

Evidentemente, não devemos nem podemos desprezar os recursos disponíveis que nos poupam tempo e permitem resultados excelentes. O que muda é o foco. Se, em outros tempos, artistas gráficos, ilustradores e designers (que sequer existiam como profissionais com essa denominação) procuravam linhas e formas exatas, que deixassem transparecer seu virtuosismo, hoje um círculo perfeito impresso num papel não tem valor algum. Por outro lado, podemos nos libertar da necessidade de mostrar do que somos capazes e assumir que certos padrões não representam mais algo desejável. A perfeição se tornou ordinária e é o defeito que atrai o olhar. O defeito, que é único, expressivo, que revela sentimentos, circustâncias, limitações e, sobretudo, personalidade. É muito mais difícil reproduzir o defeito que o perfeito. A mancha de café derramado, a marca da dobra do papel, o bolor do tecido, o excesso de tinta, o rabisco para fazer a caneta pegar, as falhas do lápis, as bordas mal definidas. O defeito nos afasta dos padrões e imprime nos projetos uma singularidade interessante e valorosa, porque traz de volta o fator humano, passível de falhas e repleto de vida.

É preciso ter coragem para expor os defeitos e resistir à tentação de procurar a obviedade daquilo que, já se sabe, irá agradar a todos. Mas criar nunca foi uma atividade tranquila e alheia às inquietações e incertezas inerentes a qualquer trabalho minimamente transformador. Portanto, com muita habilidade, senso crítico e adequação, façamos de nossos defeitos, nosso triunfo. Vamos valorizar aquilo que não pode ser produzido em série, o que é feito à mão, a limitação bem utilizada e tudo o que remete ao acaso. A beleza do defeito acalenta nossos olhos, cansados da exatidão dos computadores e cirurgias plásticas.

daqui

Um comentário:

  1. Achei seu texto por acaso navegando pela internet, e devo dizer: Gostei muito. Parabéns, você insinuou tudo o que eu penso a respeito da perfeição, não somente da arte, mas como um geral.

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